sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sobre os desastre nATURAIS

Desastres naturais são reflexos dos limites da sustentabilidade
Jornalista Washington Novaes destaca problemas econômicos causados pelo aquecimento global; no Brasil, o aumento de um grau está inviabilizando o cultivo de café, soja, feijão e milho
Alessandro Soares, enviado especial da ASN
Henrique Caldas

Jornalista Washington Novaes profere palestra no Amazontech em São Luís (MA)
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São Luís - A atual tragédia provocada pelas chuvas em Santa Catarina e o furacão que chegou à costa desse Estado em 2004, o primeiro da história no Brasil, parecem claros exemplos dos limites da sustentabilidade. É o que defende o jornalista Washington Novaes em palestra no Amazontech em São Luís (MA). Em seis meses de 2008, segundo Novaes, os 400 desastres naturais mais graves deixaram centenas de milhares de mortos no mundo, algo em torno de 157 milhões de vítimas, com prejuízos de US$ 82 bilhões. E o Brasil aponta como o 11º país em vítimas.O palestrante cita Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, cujo relatório afirma que o mundo enfrentará a pior recessão econômica de todos os tempos se as emissões de gases que intensificam o efeito estufa não baixarem cerca de 80%. De acordo com o estudo, é preciso resolver o problema em menos de uma década, aplicando 1% do produto mundial, US$ 600 bilhões, por ano. “Não se trata mais de proteger o meio ambiente, mas de não ultrapassar limites que põem em risco a própria vida”, defende Novaes.De fato, os números impressionam. Para o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, se o ritmo atual de emissões de gases for mantido, a temperatura da terra se elevará entre 1,4 e 5,8 graus Celsius ainda no século 21, enquanto o nível dos oceanos subirá entre 18 e 59 centímetros, com aumento de secas, inundações e outros desastres. Mas independentemente do que seja feito agora, a temperatura vai aumentar mais de 1,3 graus até 2050. E para evitar que se ultrapassem dois graus, será preciso diminuir em 66% o volume de emissões. Aumento de gasesMas não há expectativa de redução. Só de aumento. Em 2007, as emissões de gases no mundo estiveram acima de 25 bilhões de toneladas. A China já se tornou a maior emissora (24% do total), seguida pelos Estados Unidos (21%). E o Brasil já é o quarto maior emissor, com mais de um bilhão de toneladas de CO2 (dados de 1994) e mais de 30 milhões de toneladas de metano. O estudo do Banco Mundial de 2007 aponta para o Brasil mais de dois bilhões de toneladas de carbono em 2004, cerca de 40% mais que os números do inventário de 1994.Confirmando o crescimento da poluição planetária, Washington Novaes, destaca que os países do G8 emitiram, em 2007, 14,3 bilhões de toneladas, 2% mais que em 2000. E 0,7% acima de 1990 (quando deveriam estar 5,2% abaixo). Já os Estados Unidos emitiram 16,3% mais que em 1990 e 1,6% mais que em 2000. Só Alemanha, Inglaterra e França reduziram suas emissões. “Mesmo assim, Agência Internacional de Energia indica que o consumo de energia no mundo aumentará 71% até 2030”.Poluição bovinaMas é sempre intrigante constatar que no Brasil quase 75% das emissões se devem a mudanças no uso do solo, desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia. De 2000 para cá, o Brasil já desmatou quase 150 mil quilômetros. “Já temos nível elevado de emissão de metano na pecuária, pois cada boi emite 57 quilos de metano por ano, segundo a Embrapa. São 205 milhões de bois emitindo quase 12 milhões de toneladas anuais. E temos de lembrar que o metano é 23 vezes mais nocivo que o CO2”, frisa Novaes.Além disso, o Brasil se tornou uma espécie de grande exportador virtual de água na agropecuária. Segundo o relatório da ONU de 2002, para se produzir um quilo de carne bovina são necessários 15 mil litros de água. Para os suínos, o gasto de água é de oito mil litros, enquanto nas aves o consumo é de quatro mil litros. Cereais são responsáveis por um mil a 1,5 mil litros. “No atual modelo, precisamos exportar cada vez mais para equilibrar o balanço de pagamentos, sem sermos remunerados quanto aos custos sociais e ambientais. E não saímos do lugar. Se em 1964, tínhamos 1% do comércio exterior, hoje temos 1,2%. Sem falar que não temos controle dos preços de exportação, que são ditados fora do País. Há até produtos que exportamos hoje a valor real inferior ao da Grande Depressão”.Produção de grãosA exportação de grãos, por sua vez, pode sofrer grandes perdas. Um estudo da Embrapa/Unicamp mostra que o aumento de um grau na temperatura média de São Paulo e Norte do Paraná está inviabilizando o cultivo do café nessas áreas, já que a floração não chega a se completar e afeta gravemente a produtividade. Por isso, a cultura está migrando para regiões altas de Minas Gerais. E o mesmo problema já está ocorrendo nas culturas de soja, feijão e milho. Para os cenários do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o pior está por vir, pois ainda neste século haverá aumento de seis a oito graus na temperatura da Amazônia, e de três a quatro graus no Centro-Oeste, além da possível perda de 20% a 25% nos recursos hídricos do semi-árido. No fundo, a economia brasileira é altamente dependente de boas condições de clima.“Isso mostra o quanto vivemos uma crise de padrão civilizatório. Nossos modos de viver são incompatíveis com os recursos do planeta, mesmo com 800 milhões de pessoas passando fome e mais de 2,5 bilhões abaixo da linha de pobreza (US$2 por dia)”, destaca o palestrante.Novaes ressalta ainda os dados do Pnud, que afirma que se todas as pessoas consumissem como norte-americanos, europeus ou japoneses, precisaríamos de mais dois ou três planetas para suprir os recursos e serviços naturais necessários. Mas, segundo ele, o problema central é que não há nem instituições, nem regras universais, capazes de promover as mudanças necessárias na escala global. As reuniões de convenções da ONU exigem consenso para tomar decisões, o que são dificílimos, por causa dos interesses contraditórios.Novas energiasO que se pode fazer? Para a Agência Internacional de Energia, é preciso investir US$ 45 trilhões nos próximos 15 anos em novas fontes de energia para se chegar a uma matriz energética com emissão zero. Este valor custa menos do que pagar o preço das conseqüências do modelo tradicional de desenvolvimento.Mas Washington Novaes questiona as novas tecnologias. “Fala-se em grandes depósitos para lixo nuclear, como o de Nevada, nos Estados Unidos. Mas esses resíduos têm sobrevida de milhares de anos. E os abalos sísmicos? Outro dia aquela região registrou 5,3 pontos na escala Richter e nada aconteceu. Mas o que acontece quando o abalo é mais forte?”Preocupação semelhante acontece com relação aos projetos de seqüestro e sepultamento de carbono no fundo do mar ou campos de petróleo esgotados. “Se houver problemas de infiltrações, as conseqüências serão incalculáveis”. Sem dar maiores sugestões de como resolver esses problemas, Novaes finalizou a palestra reforçou algumas das recomendações do que é preciso fazer nos próximos dez anos, já citadas em sua fala. Mas tom central era de que o limite da sustentabilidade há muito já foi ultrapassado e de que a sociedade precisa se informar. “A imprensa precisa mudar, informar permanentemente das questões em jogo e das soluções possíveis. Para que a sociedade, informada, se organize e passe a levar esses problemas para as campanhas eleitorais, exija dos candidatos que se posicionem”.

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