sexta-feira, 7 de agosto de 2009

História de lampiãoi

História de Lampião vira mito sertanejo
Difícil dissociar a imagem de Lampião do sertão sergipano onde ele nasceu e fez seus feitos. Na região do Baixo São Francisco, onde ele morreu, tudo revive o cangaço, incluindo pessoas que conheceram o cangaceiro e seu bando.Por Heitor RealiFotos: Silvia Reali
...Grota do AngicoMissa do Cangaço (foto grande na Grota do Angico, lugar onde Lampião morreu. Acima, da esquerda, bando de cangaceiros, cabeças cortadas, Lampião e Maria Bonita.
A saga do maior bandido da história brasileira inserese no contexto de um dos conflitos sociais mais instigantes da América do ASul. Nas últimas décadas surgiram no Brasil várias publicações sobre o cangaço. Elas refletem o mesmo dissenso popular sobre a figura de Lampião. Ora atribuem a ele as roupagens poéticas de justiceiro vingador, ora de facínora sanguinário. O cangaço, que durou mais de 100 anos e envolveu quase todos os Estados nordestinos, pouco a pouco se transforma numa ficção coletiva, num recontar de fatos que mais e mais se distanciam da verdade histórica.
Diferentemente da Guerra de Canudos, que teve o testemunho de Euclides da Cunha, a epopéia do cangaço se preserva na memória nacional graças à força do imaginário popular. Daí a ambivalência da grandeza épica de Lampião. Ela sobrevive num caldo de cultura favorável à criação e manutenção de um mito, porém indiferente à veracidade dos fatos históricos sobre os quais se apóia.
Impossível dissociar a imagem de Lampião do sertão onde ele nasceu e realizou seus feitos. Foi esse sertão arcaico, ainda presente em muitos aspectos da vida sertaneja, que serviu de cenário para inúmeras manifestações de religiosidade popular, com abundância de líderes messiânicos, de missões católicas, de cristianismos primitivos como o de Antônio Conselheiro e o do padre Cícero. O sertão do coronelismo e do latifúndio – causa e raiz do banditismo cangaceiro.
Prefeitura de Piranhas
Os sertanejos interagem com o mundo inóspito onde vivem. O sertão, com sua paisagem dura, desolada, abatida por secas intermináveis, não é palco para amadores. Protagonistas de uma cultura alicerçada no controle e domínio do medo, parecem prisioneiros de um futuro ao qual não dão muita importância: aconteça o que acontecer, é obra do destino.
O SERTÃO CONTINUA sendo “o coração das trevas” da consciência nacional. Parece que nenhuma inocência será mais possível naquela região – a chaga do abandono e da injustiça social vai sangrar para sempre. Foi nessa região, caracterizada pela indigência moral da maioria dos políticos e dos coronéis da terra, que o cangaço fincou raízes. Lampião foi fruto dessa cultura e de um ambiente propício às revoltas sociais.
É exatamente essa atmosfera de privilégio e impunidade que favorece e libera a imaginação revoltosa de certos homens. “Lampião foi um fraco que virou um forte”, sintetiza o historiador e atual prefeito de Piranhas (AL), Ignácio Loiola Freitas. Ao discursar na Missa do Cangaço, na Grota do Angico em sufrágio das almas de Lampião e dos cangaceiros mortos em 1938, ele acrescentou: “O cangaço foi um produto da falta de ética daqueles governantes.”
Cruzes na Grota do Angico,
No Baixo São Francisco, de cada dez pessoas a quem se pergunta se Lampião foi bandido ou herói, só uma escolhe a primeira resposta. A figura do cangaceiro aparece hoje cercada de uma aura de misticismo. Muitos não hesitam em defini-lo como um “santo guerreiro”. Apesar disso, essas mesmas pessoas parecem se deleitar ao discutir os feitos reais ou inventados do cangaceiro. O elenco de violências é de cair o queixo, de torturas, estupros, castrações e cabeças degoladas a rostos e nádegas de mulheres marcados a ferro, como se faz com o gado.
“Todos os cangaceiros de sanha brava, – dizem – como Lampião, Corisco e Labareda, nasceram mansos e se tornaram cruéis.” Lampião acerta as contas do pai injustamente acusado de roubo e assassinado. Labareda vinga a irmã mais nova, ameaçada de rapto por um sargento da milícia. Ele procurou a justiça relatando esse fato. Foi aconselhado pelo juiz de direito da cidade a fazer o mesmo com a irmã do policial. Corisco, um dos cangaceiros mais violentos, era militar. Apoiou uma revolta de tropa, foi preso e fugiu.

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