Quinta-feira, 24 julho, 2008 - 10:25
Município sofre com as desigualdades sociais, e cooperativa das doceiras representa a esperança da comunidade
Saramém-SE - Maria Inês Souza Neves, 34 anos, é uma mulher que traz as marcas das desigualdades sociais na vida e nas mãos, calejadas do trabalho. Assim como outras várias mulheres do povoado de Saramém, município humilde de Brejo Grande, Inês tira o sustento da casa através da venda de seus doces caseiros. Durante um bom tempo a rotina dessas mulheres doceiras era a mesma: pela manhã cada uma produzia, individualmente, seus doces em casa e à tarde, elas se dirigiam à foz do Rio São Francisco para vendê-los aos seus fiéis clientes, tanto sergipanos quanto alagoanos, já que o turismo na região da foz é intenso.
O povoado de Saramém encontra-se às margens do Rio São Francisco. É, atualmente, composto por uma vila de casas, com uma escola de educação infantil, um estaleiro de produção de barcos, pequenos e poucos comércios, uma igreja e um posto de saúde. Lá vivem cerca de 105 famílias provenientes do antigo povoado do Cabeço, que foi quase totalmente tomado pelo mar.
Saramém não possui instituições escolares que ofereçam o ensino médio, o que restringe o desenvolvimento do município e a geração de oportunidades para os jovens. Não há na região grande variedade de trabalhos: a maior parte dos chefes de família são pescadores, barqueiros, caranguejeiros, agricultores, predominando aqueles que cultivam arroz e coco, e mulheres que produzem doces caseiros. “O comércio é incipiente no município, e o Rio São Francisco está presente de forma direta ou indireta na maior parte das atividades desempenhadas pelos trabalhadores do município”, afirmou o pesquisador e professor da Universidade Tiradentes, Álvaro Lima, que desenvolve pesquisa no município.
Da mesma forma que em muitos municípios brasileiros, em Brejo Grande também existem sérios problemas de saneamento básico e dificuldades quanto aos serviços públicos. Apesar da maioria dos domicílios possuir água encanada, não existe rede de esgoto no município e 32% das casas não têm sequer banheiro vaso sanitário (IBGE, 2002). A realidade atual de Brejo Grande está voltada para uma situação de miserabilidade, segundo apontam os dados relativos ao Censo Demográfico do IBGE. Com uma população com cerca de 7.100 habitantes, cerca de 42% da população com mais de 5 anos de idade não é alfabetizada, sendo que, entre os adolescentes de 14 anos, nada menos que 17% deles são analfabetos.
Além disso, alguns sistemas de produção que dão sustentação à população de Saramém, como os agricultores e os pescadores, encontram-se em decadência devido ao desequilíbrio do Rio São Francisco. Com a construção da cascata de represas, no sub-médio e no baixo São Francisco, quase todos os sedimentos vindos do rio são retidos, tendo como consequência direta a perda de nutrientes e sedimentos que ficam depositados no fundo das represas. Assim, os agricultores que cultivavam arroz não conseguem mais atingir os mesmos patamares de produção a baixo custo, pois as várzeas já não recebem nutrientes trazidos pelas cheias. E os pescadores tentam sobreviver a partir de recursos de um rio com menor abundância de espécies de peixes, encalhando seus barcos onde antes era navegável.
A doce esperança
Na luz desses problemas, o professor Álvaro Lima desenvolveu e coordenou um projeto de tecnologia social intitulado “Organização Cooperativa e Capacitação das Doceiras da Comunidade de Saramém – Brejo Grande – Sergipe”, com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC). O projeto nasceu com o objetivo de organizar a comunidade local para a formação de uma cooperativa, capacitando-a para a padronização na fabricação dos doces, instruindo as doceiras nas boas práticas de manipulação de alimentos e desenvolvimento dos produtos para que eles possam ser comercializados.
A fase de capacitação e qualificação das doceiras já foi concluída. Agora começa o desafio de consolidar a cooperativa, criada em maio deste ano. “A criação da cooperativa irá melhorar as condições higiênico-sanitários da produção artesanal dos doces caseiros e a padronização das receitas promovem também a melhoria de qualidade do produto, capacitando a população da comunidade de Saramém a obter produtos com segurança alimentar de sabor característicos, independentemente da doceira que o produz, garantindo assim a homogeneidade do produto”, justificou Álvaro Lima.
Entre a variedade de doces é comum encontrarmos os doces em calda, geléias, balas e cocadas. A produção de doces caseiros é uma atividade de domínio público, de fácil formação, mas que propicia o incremento de novas possibilidades de formação de produtos. Um exemplo de desenvolvimento é a utilização de produtos naturais sem conservantes que são registrados com o selo “orgânico” e que é cada vez mais apreciado no mundo, tornando-o um diferencial.
O professor Álvaro salientou em seu projeto a relevância da educação para promover o respeito aos direitos e liberdades humanas, e por assegurar principalmente o Artigo XXIII da Declaração dos Direitos Humanos, que rege o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveias de trabalho e à proteção contra o desemprego. “As universidades possuem um importante papel a cumprir na construção desse caminho de atuação, a partir da auto-articulação entre as áreas de Ensino, Pesquisa e Extensão, tripé que sustenta Universidade”, ressaltou o professor.
Atualmente, as doceiras já passaram pela fase de amadurecimento da produção e da idéia de trabalho em grupo. Elas padronizaram e criaram novas receitas (como a cocada de maracujá), uniformizaram o modo de produção dos doces e distribuíram as tarefas. Com o incentivo da prefeitura municipal, que cedeu o espaço de instalação, a Cooperativa das Doceiras de Saramém foi inaugurada na quarta-feira, 14 de maio. A cooperativa, inclusive, já possui logomarca – também criada através do projeto -, e as doceiras já divulgam o trabalho através de camisetas estampadas. Agora é hora do trabalho começar, tentando conquistar espaço no comércio de outros municípios.Quanto a Maria Inês, que sofreu com os impactos de produzir e vender os doces sozinha por dez anos, hoje coordena a cooperativa, e se emociona ao agradecer a oportunidade de profissionalizar a sua produção e venda. “O projeto trouxe muitas melhorias para a comunidade e espero que traga ainda mais quando começarmos a trabalhar firme. Há muitos anos que eu vendo doces caseiros, mas era individualmente, assim como tantas outras aqui. Agora, todas unidas, temos a oportunidade de melhorar nossa renda e dar um futuro melhor para nossos filhos. Depois de todo o apoio que recebemos, agora o segredo está na calma, perseverança e fé em Deus”, garantiu a doceira.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
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