BRA-82: Crasto: patrimônio natural de Sergipe
Sílvio Adriano de Oliveira Vieira Jornal Correio de Sergipe - Aracaju / SE mar�o 2007
A primeira reserva particular de Mata Atlântica do Estado preserva diversidade da fauna e da flora brasileira
A densidade da mata, a altura das árvores e a dificuldade de penetração da luz do sol denunciam logo ao primeiro olhar que a presença do homem predador não se faz presente com constância na área. Uma grande quantidade de cipós se apóiam nas árvores dificultando a passagem. O canto de passeriformes, os insetos que caminham entre um galho e outro, os pingos de água que caem das folhas das centenárias maçarandubas, jequitibás, embiruçus, muricis e até de liquens e musgos, retratam a Mata Atlântica preservada em pouco mais de 700 hectares da Mata do Crasto, no município de Santa Luzia do Itanhy, litoral Sul do estado de Sergipe.
Os 700 hectares são parte do total de 1.700 de uma área particular, que por gerações os mesmos proprietários empresários são os que garantem a integridade da mata. Como o município de Santa Luzia do Itanhy se situa num antigo território de engenhos, a mata resistiu às queimadas, as plantações de cana-de-açúcar, logo depois, a pecuária e mais recentemente a monocultura do coco. "Já somos a quarta geração que preservamos a mata", enalteceu Ivan Leite, filho do proprietário da reserva, Jorge do Prado Leite.
Ele explicou que a área foi tornada reserva de proteção particular, através do decreto nº 442/89, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), concedendo-lhe o título de primeira Reserva Particular da Fauna e da Flora do Estado de Sergipe.
O maior problema é com a fiscalização da fauna. Constantemente os funcionários da fazenda são surpreendidos por caçadores que retiram da mata pacas, tatus, o pássaro conhecido como sangue-de-boi, dentre outros tipos, além de crustáceos num braço de mangue. "Lamentavelmente nem todas tem a mesma consciência e por vezes se tem a notícia de caçadores. A retirada de madeira ocorre de uma forma mais disfarçada e quando percebemos uma movimentação estranha, também chamamos a polícia do município de Santa Luzia", salienta.
Para Ivan Leite, um outro problema enfrentado pela reserva é a tributação imposta pelo Ibama, considerada por ele como absurda. Ele explica que a reserva de proteção permanente é averbada em cartório oficial, embora a órgão do meio ambiente entenda que se deve pagar imposto territorial rural, por entender que o documento do cartório não é suficiente para comprovar tal proteção.
Ivan Leite avalia que comprovar a reserva é fácil, pois existem fotografias facilmente acessíveis dos próprios órgãos do meio ambiente, bem como, hoje qualquer pessoa que visitar encontrará árvores centenárias.
O processo está tramitando em nível de Secretaria da Fazenda Nacional e o conhecimento no Conselho de Contribuintes tem sido dado causa ganha a outras questões semelhantes, revertendo em benefícios para àqueles que preservam a floresta. "Existe um impasse desagradável. O trabalho que estamos tendo e que estamos fazendo espontaneamente, por vezes, está sendo motivo de aborrecimento e preocupação", critica.
Estudiosos, pesquisadores e visitantes mais aguçados pelo contato com a natureza têm visitado o local. A visita é feita com prévio agendamento dos proprietários e é acompanhado por um funcionário da fazenda. "Temos atendido a série de procura e visitas de pesquisadores de universidades, inclusive dos Estados Unidos e, recentemente, recebemos um grupo de 20 turistas americanos, que vieram fazer observação e fotografar sem tirar nenhuma espécie. Existe a preocupação que essas visitas sejam somente de observação", esclarece Ivan Leite, informando o telefone (79) 3522 1499 para possível agendamento.
Como a Mata do Crasto está cravada numa região de grande interesse turístico e agrícola, a preocupação do biólogo e pesquisador Marcelo Cardoso de Sousa é justamente a retirada de madeira clandestinamente e disfarçadamente, além da previsão da pavimentação asfáltica para o povoado Crasto, região de grande beleza turística e que para se chegar até ela, passa-se ao longo da reserva. "Projetos de expansão turística em conjunto com improvisações amadorísticas para um turismo ecológico, sem sustentabilidade, possivelmente será desastroso e terá o efeito reverso, caso não seja precedido de estudos técnicos idôneos e desprendidos de pretensões puramente político-eleitoreiras", adverte.
Raio X da Mata Atlântica no menor estado da Federação
Em uma área estadual de 22.050, 40 km², apenas 5.750 km² de área é coberta por ecossistemas de Mata Atlântica, compreendendo pontos estanques que vão desde a foz do rio São Francisco até a região de Mangue Seco, divisa com a Bahia. Além da Mata do Crasto (Santa Luzia do Itanhy), existe também uma mata primitiva de grande valor ecológico no município de Capela, região Agreste do Estado, a Mata do Juco. Também possui remanescentes da mata nos municípios de Pirambu, onde se situa a Reserva Biológica de Santa Izabel, Itabaiana, localizado no Parque Nacional da Serra de Itabaiana e Parque dos Falcões, Estância, Itaporanga D'Ajuda, Pacatuba e Nossa Senhora do Socorro, situada a Floresta Nacional do Ibura.
Lizaldo Vieira, coordenador do Movimento Popular Ecológico de Sergipe, destaca que Sergipe é um dos estados do Nordeste onde se concentra os piores índices, no que se refere à Mata Atlântica. Para ele, a destruição de manguezais, a falta de políticas públicas, a devastação de áreas de floresta para criação de gado e agricultura, além da especulação imobiliária e de invasões de integrantes do Movimento dos Sem Terra, tem contribuído com a degradação da biodiversidade e dos ecossistemas.
Com um olhar mais aguçado, percebe-se que a Mata do Crasto e desenhada por agronegócios e povoados, isolando-a num ponto do horizonte. Do mesmo modo a Mata do Junco, onde há retirada de areia para a construção civil e constantes conflitos de sem-terra no entorno da reserva. A ameaça ao meio ambiente sinaliza que é hora de prestar mais atenção a área.
Guigó: simbólico da Mata Atlântica de Sergipe ameaçado de extinção
Escondido, um pouco temeroso e em extinção. Lá está o macaco Guigó (Callicebus Coimbrai). Ele vive em pontos da Mata Atlântica de Sergipe, em poucos grupos e isolados. O Guigó é uma espécie de macaco descoberta em 1999 pelos estudiosos Kobayashi e Langguth, dois biólogos especialistas em primatas, que ao entrarem nas matas sergipanas identificaram o primata. Primeiramente se pensava que ele era uma espécie de macaco já existente no país, porém, depois se descobriu características peculiares, através da pelagem e com base nos ossos do primata, foi possível aos biólogos descobrir que o Guigó era uma nova espécie.
O pesquisador Marcelo Cardoso trabalha em prol de sua proteção e hoje desenvolve em torno do primata diversas pesquisas, que passam do estudo sonoro a fotografias inéditas para boa parte do mundo, além de um trabalho de conscientização da população e proteção da espécie.
De acordo com Marcelo, que é mestre em Biologia Animal, os Guigós são bastante ariscos, dissimulados e de difícil visualização. São mais ativos durante o amanhecer e ao entardecer e ainda ocorrem em alguns fragmentos de Mata Atlântica, tanto ao sul como ao norte do Estado de Sergipe, com predominância em municípios como Pacatuba, Carmópolis, Capela, Santo Amaro, Indiaroba, Cristinápolis, Umbaúba. "Ele são animais versáteis em relação a alimentação, o que permite maior adaptação em outros lugares que não é o seu. É um primata de tamanho médio, alimenta-se de pequenas folhas, flores e insetos", acrescenta.
Marcelo Cardoso fez a primeira nota sobre a ocorrência da espécie em Sergipe em 2002 indicando novas localidades onde aparece o Guigó. "Ele tem uma distribuição especial compreendida ao norte e ao sul da Mata Atlântica e em algumas matas secas do interior do estado", diz, mas preocupado com proteção do primata. "Venho a cada dia percebendo que a situação da espécie piora. Se não fizemos nada seremos os responsáveis pelo seu desaparecimento. A manutenção da espécie deve movimentar a sociedade e todos os atores sociais", argumenta.
sábado, 17 de janeiro de 2009
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